Sergio Cruz Lima

O Catete fecha um ciclo da história pátria

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Em 21 de abril de 1960, a cidade do Rio de Janeiro deixa de ser a capital federal do Brasil. Os cariocas, sempre alegres e bem-dispostos, se despedem do título ao comemorar com festas a criação do Estado da Guanabara. Desfilam escolas de samba, carros buzinam, sinos repicam. Mas os sinos também tangem em Brasília, aos primeiros minutos da madrugada daquele mesmo 21 de abril. Inaugura-se a nova capital da então República dos Estados Unidos do Brasil. Tem outro nome o palácio que abrigará, nas décadas que virão _ e já se contabilizam seis décadas! _ o Palácio do Planalto como sede da Presidência da República.

Quando os jornais denunciarem as intrigas do poder, quando louvarem as atitudes do Poder Executivo, não mais falarão da "banda de música do Catete", das "decisões do Catete", do "candidato do Catete". Não mais lançarão olhares indagadores para o Palácio das Águias os que por sua porta passarem na esperança de flagrar uma nesga da intimidade daquele que, no momento, ocupar o posto de chefe da Nação. Não se juntarão mais diante dos belos portões de ferro fundido os manifestantes, não sofrerá mais a ameaça dos canhões quando estourarem as revoltas.

Tão marcada por sua história republicana, por sua presença central na vida do Brasil, esta casa _ o Palácio das Águias _ parece guardar em cada escaninho o sussurro das casacas e das fardas engalanadas em conciliábulos, em intrigas e conchavos. Nos seus salões luxuosos _ hoje transformados em Museu da República! _ ainda parecem se ouvir o frufru dos vestidos de tantos bailes, o riso e as lágrimas das primeiras-damas e de suas filhas, o passo abafado dos serviçais palacianos. Nos quartos de dormir, se podem imaginar as angústias e os sonhos de homens cuja intimidade se viu, por um período de suas vidas, profundamente entranhada na intimidade do imenso país chamado Brasil.

Tão carioca o Palácio, tão carioca a República que dele se despediu. Por isso, talvez, numa feliz simbiose, se tenha conformado essa marca de cidade tão tropicalmente cosmopolita: pela alternância no poder de paulistas, mineiros, cariocas, paraibanos, gaúchos, trazendo para cá o trejeito dos seus lugares, mesclando seus hábitos com a pândega criativa dessa gente, transformando os dela. O "corta-jaca" da era Hermes da Fonseca ou a recepção pseudo-europeia oferecida por Epitácio Pessoa aos reis da Bélgica, igualmente marca de uma brasilidade, meio pretensiosa, meio ingênua, mas em franca construção de sua identidade.

Erguendo-se altivo na outrora rua do Príncipe, o Palácio do Catete continua sendo um monumento de uma cidade e de uma República que nele viveram a emocionante aventura de sua autoafirmação diante da comunidade de nações. Permanece sendo o Palácio do Catete, banhado pelo sol de tantos verões, o símbolo de um país, de uma cidade, de um tempo que merece ser evocado, lançando uma rede de lições às vezes amargamente nele aprendidas na direção daquele outro palácio situado no Planalto Central, tão distante, tão diverso, o Palácio do Planalto.

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